quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

REVOLTA DO BUSÃO - II

O Espetáculo da Violência como Intimidação nos Protestos em Natal


Edilson Freire Maciel


            A violência institucionalizada através da anestesia dos corpos, estimulada pela mídia alienante do entretenimento, voltada para os interesses do mercado, condicionando seres na busca dos sonhos de consumo, mantendo-os numa padronização social semelhante às gôndolas dos supermercados: classificados, etiquetados, numerados, para atender ao fluxo ininterrupto, neurótico da sociedade do desejo.

            Esses fluxos estão representados nas vielas, ruas e avenidas, assemelhando-se à esteira da linha de produção fabril, cuja finalidade é o mercado potencializado pela mais valia no seu mecanismo brutal de manipulação e controle, de territorialidade segregacionista, legitimada pelo aparelho ideológico de estado.
            A sociedade de caráter monocrático, estruturada politicamente na hegemonia oligárquica, é a mais conservadora e anti-republicana nos controles de conservação dos fluxos, de sua permanência, manipulação e anestesia. Não admite rupturas com os pactos estabelecidos com a classe dominante, em detrimento dos interesses da população.
            Isso ficou evidenciado na barbárie perpetrada pelos órgãos de repressão, na noite de quarta feira, dia 15 de maio. Os natalenses viveram momentos de terror na Zona Sul, na Avenida Salgado Filho. Os manifestantes encontravam-se pacificamente na avenida, quando foram vítimas de brutal repressão. Um estudante da UFRN, ao tentar proteger sua professora, que quase foi jogada ao chão por um pelotão de polícia em marcha contra os estudantes, foi brutalmente espancado e preso. Saiu com um ferimento na cabeça. Outro colega sofreu o mesmo golpe, que resultou em dezoito pontos.

            O horror não para aí, um manifestante de 63 anos de idade, indefeso, em atitude evidenciada de paz, quando se dirigia a um pelotão de policiais da ROCAM, na tentativa de estabelecer um diálogo, tem repetidamente duas bombas de gás lacrimogêneo arremessadas aos seus pés. Logo em seguida, o BPChoque ataca a retaguarda da manifestação, numa parafernália de tiros de borracha, bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, dispersando os manifestantes, acossando-os, levando boa parte em fuga, por ruas laterais.
            Os que permaneceram na avenida foram encurralados pela Polícia Rodoviária Federal e a cavalaria da Polícia Militar. Um grupo de policiais já se encontrava em cima do Viaduto Quarto Centenário, a disparar contra os estudantes, num verdadeiro massacre, em operação típica de emboscada.
            Uma estudante, indefesa, com mãos para cima, é atingida à queima-roupa por bala de borracha, além de sofrer ataques morais dos policiais. Uma senhora de 54 anos foi ferida à queima-roupa, na perna, por bala de borracha na calçada de sua casa, quando prestava socorro a um estudante também ferido. Nas redes sociais corria a notícia que o ferimento na citada senhora se complicava num hospital da cidade, apesar do uso de vários antibióticos, segundo relato indignado de sua sobrinha. Um estudante foi atingido por quatro tiros de borracha em uma das pernas. Outros foram covardemente atingidos pelas costas, entre outras partes do corpo. Alguns, na cabeça e na face.
            A estratégia utilizada pela repressão contra a população civil indefesa extrapolou o conhecimento clássico sobre estratégia militar. Segundo os cânones da Arte da Guerra, deve-se deixar uma rota de fuga para o inimigo, evitando que ele lute desesperadamente entre a vida e a morte, tornando-se perigoso. Isso, vale salientar, é uma estratégia utilizada entre dois exércitos armados e em luta.

            Quanto a encurralar e emboscar estudantes, na sua maioria mulheres e adolescentes, além da desproporcionalidade de força, é crime e covardia. Foi assim que a soldadesca ensandecida atropelou todos os princípios das convenções internacionais que são obrigados a cumprir, como toda força armada regular, inclusive guerrilheira, quando em controle de áreas, sob pena de ser caracterizada como bandoleira.
            Essa banalização da violência institucionalizada reflete o caráter opressivo e antipopular do estado monocrático na manutenção e controle do fluxo único, voltada para a defesa intransigente e armada do poder hegemônico do mercado.
            Nesse sistema, as forças policiais são treinadas para reprimir o povo tendo como máxima burguesa a manutenção da ordem, estando assim divorciadas da realidade em que vivem. Tal esquizofrenia das forças repressivas leva à subjetividade do poder, isto é, a guarda pretoriana se acha rei, e este consente, ao temer, que aquela se ache povo.
            Essa esdrúxula realidade ocorreu no massacre aos manifestantes, quando o comandante do BPChoque, ao ser interpelado por um vereador sobre despropositada violência, respondeu que sua tropa, ao sair à rua, não iria distribuir flores e que também não respeitava políticos. Nem mesmo a governadora.
            A Governadoria silenciou diante de tamanha petulância. O chefe da guarda tornara-se imperador, o acordo tácito entre o poder oligárquico e seu braço armado fora mantido, a despeito da perplexidade da sociedade. Com o vácuo político governamental, as instituições começaram a se manifestar em repúdio à violência policial. Antecipadamente, as redes sociais demonstravam sua indignação com a barbárie repressiva e o silêncio pactual promíscuo do governo com o poder hegemônico do mercado.
            Nesse diapasão político perverso, o comandante da desastrosa operação militar foi afastado do comando, sob alegação de trâmite interno inerente às necessidades burocráticas e funcionais da corporação. O governo não assumiu uma decisão política no afastamento do subordinado. Com essa atitude, legitimou seus atos atrabiliários e, perigosamente, manteve a esquizofrenia militarista da subjetividade do poder, abrindo espaço para a insegurança e o arbítrio.

            Em contrapartida, cresce a indignação e o amadurecimento do movimento Revolta do Busão, cuja estratégia política é a universalização do acesso à cidade através da reforma urbana e do transporte público, como direito essencial, com extensiva gratuidade à população. Aliás, uma bandeira de luta iniciada em meados do século XIX, na Argentina e, atualmente, uma realidade em 27 cidades dos Estados Unidos e várias cidades da Europa.

            Até quando, no Brasil, essa luta legítima será tratada com tanta barbárie?
Vídeo da manifestação do dia 15 de Maio de 2013, aonde o Batalhão de Choque da Polícia Militar prende uma professora da universidade que pedia para eles não fazerem uso da violência e em seguida prendem um estudante que tentou impedir a injustiça que estava sendo feita com a professora.

Vídeo da manifestação passando pela Av. Salgado Filho

Vídeo da intimidação policial no local de concentração da manifestação

Vídeo do final da manifestação, fala de manifestantes.
Vídeo da movimentação ostensiva da polícia preparando-se para o confronto

Vídeo de quando a manifestação foi encurralada debaixo do túnel da Salgado Filho, pela Polícia Rodoviária Federal de um lado e pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar.


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